Xingú – Tucunarés de corredeira e outras surpresas

Texto:
Marco Valério da Costa
Fotos:
Ian Sulocki e Marco Valério


       Sempre que saímos para uma pescaria, as surpresas são inevitáveis. Seja naquele lugar onde estamos habituados a pescar, ou em locais novos e desconhecidos.

 
 
 

       O fato é que a cada pescaria estamos sempre aprendendo alguma coisa, conhecendo os costumes de cada povo e região, descobrindo uma técnica nova de pesca ou, ainda, na oportunidade de se fazer novas amizades.

 

       Quando recebi o convite do Ian Suloki, da Universidade da Pesca, para a realização de um curso de fly voltado exclusivamente aos guias de pesca do Xingú River Lodge, não pensei duas vezes para aceitar. Seria, mais uma vez, a oportunidade de poder conhecer um novo lugar, com sua gente e cultura.

 

O Rio – suas características

 

       A primeira coisa que o pescador se depara ao chegar à pousada é justamente a característica local do rio. Por estar localizada na região chamada de Volta Grande do Xingú, entre diversas cachoeiras e corredeiras que impedem a navegação e a pesca comercial, é tido como um lugar sui generis. Além disso, o Governo do Pará, através da Secretaria de Meio Ambiente, criou um "Sítio Pesqueiro", onde é proibido matar peixe e somente a pesca esportiva é permitida. Sendo assim, a Pousada do Rio Xingu está localizada numa área estratégica e ambientalmente protegida.

 
 

       O rio, nessa região, apresenta quase que em toda sua extensão margens de pedras alternadas com praias de areias entremeadas por milhares de ilhas que formam diversos canais às vezes rasos e às vezes profundos, com poços, lagoas e lagos. Com isso é possível se pescar de diversas maneiras, seja embarcado, caminhando pelas margens de pedras, no meio das corredeiras (no estilo, como diria o Gregório) ou simplesmente apoitado.

 
 
 

       Posso dizer com total segurança que é um local perfeito para a prática de fly, não só pelas alternativas na maneira de se pescar como pela variedade de peixes possível de serem capturados, em poucos trechos do rio.

 
 

       E com essa certeza, durante os três primeiros dias de estadia, me dediquei exclusivamente ao curso de fly para o qual fui convidado. Uma experiência gratificante, já que pude passar o máximo de informação possível aos guias de forma a aliar teoria e prática. Não foi surpresa vê-los arremessando e pegando seus peixes na nossa saída de barco.

 

Os peixes e formas de pesca

 

       Na região é possível encontrar algumas espécies de pacús: o branco, seringa e curupeté. Todos possíveis de serem pescados com fly.

 
 
 

       A pescaria do pacú branco ocorre, geralmente, nas primeiras horas da manhã, em locais de remansos com grandes profundidades.
 
       É um pesca feita no visual e embarcada. Normalmente, os peixes estão em grandes cardumes, se alimentando na superfície.

 

       Aproveita-se esse momento, aproximando o barco apenas no motor elétrico e fazemos os arremessos à frente dos peixes visualizados (cerca de um metro à frente).
 
       O trabalho das iscas deve ser feito com pequenos toques apenas para dar um leve movimento, como se estivéssemos imitando algum inseto na superfície. Arremessos entre 15 e 20 metros são mais que suficientes. Um líder mais longo e fino pode ser de grande ajuda, já que as moscas utilizadas são pequenas.
 
       Nessa pescaria, tive a honra de acompanhar o Zenizir e pude participar da gravação de um de seus programas – o Pesca Amazônia – justamente onde a pauta seria a pesca com fly.
 
       Essa pescaria dura em média umas 3 horas por dia, justamente até o sol esquentar e os peixes sumirem.

 
 

       As outras espécies de pacús são pescadas nas corredeiras, com pequenos streamers. A característica marcante do pacú curupeté é que quando fisgado este salta fora da água, para em seguida descer a corredeira tomando linha. O pacú de seringa, normalmente está localizado nos mesmos locais que o curupeté. É maior e mais voraz que os demais, sendo a sua briga sempre no fundo.

 
 
 

       Após essa pescaria, nas primeiras horas da manhã, partíamos para a pesca de tucunarés.
 
       Aqui o diferencial está na forma e local de pescar o tucunaré.

 
 
 
 

       Para os amantes do fly nada melhor que se pescar nas corredeiras, no estilo. Águas rasas e rápidas, num fundo de pedras é o cenário para este tipo de pescaria. Se não fosse pelos tipos de peixes (tucunarés, bicudas e pacús) e pela temperatura da água, poderíamos dizer até que se assemelham em determinados aspectos à pesca de trutas.

 

       A vantagem é que estamos pescando peixes brasileiros num ambiente nosso. Muitas técnicas utilizadas na pesca de trutas podem ser aplicadas nessa situação.

 
 
 

       Pode se também “caçar” os peixes, caminhando pelos remansos formados entre as pedras e praias de areia, onde sempre nos deparamos com algum casal de tucunaré ou ainda um trairão a espreita de alguma presa fácil. Aqui a aproximação do local deve ser silenciosa e com cuidado. Muitas vezes os peixes estão próximos a margens ou pequenas dunas formadas ao redor das lagoas e praias, onde qualquer movimento desastrado pode fazer o pescador perder um bom peixe que rapidamente se desloca para locais mais profundos e seguros.

 
 
 

       O tucunaré do Xingú não está classificado ainda. É conhecido lá como tucunaré amarelo. Apesar de parecido com o Cichla Monoculus, apresenta características totalmente diferentes do amarelo que conhecemos e comum na região centro-sul. O tucunaré amarelo do rio Xingú quando pequeno apresenta diversas pintas e é escuro lembrando o tucunaré paca. Conforme o peixe vai ganhando tamanho, as pintas vão desaparecendo, dando lugar a listas que totalizam 10 faixas. Já na fase adulta, o peixe perde totalmente as faixas ficando completamente amarelo. De início, ficou a dúvida, se estaria falando de 3 espécies diferentes ou se de uma única espécie que é a mesma da região sudeste e central do país. Graças à ajuda do José Antonio Zuanon e de seu irmão, o Biólogo Jansen Zuanon, estas questões foram esclarecidas.

 
 
 
 
 

       Reproduzo abaixo algumas das questões que enviei pra ele, junto com as respostas.

 

       1) É possível que seja o mesmo peixe, tucunaré amarelo, que temos aqui na região sudeste?
 
R: Não. Há apenas cinco nomes disponíveis para as espécies de tucunaré que ocorrem no Brasil: Cichla monoculus (o tucunaré da várzea amazônica), Cichla temensis (o paca, praticamente restrito ao rio Negro), o "borboleta" ou "botão" (Cichla orinocensis), uma quarta espécie que ocorre na Venezuela e parece que entra no Brasil, no alto rio Negro (Cichla intermedia), e o famoso Cichla ocellaris, que se pensava restrito às Guianas, mas que parece ocorrer em alguns locais de Roraima. Apesar de só termos esses cinco nomes, há pelo menos doze espécies de tucunarés no Brasil, a maioria em processo de descrição formal (não têm nomes científicos). O peixe do Xingu, que você mostra nas fotos, é uma espécie nova (sem nome científico), que está sendo descrita em uma revisão do gênero Cichla feita pelo Dr. Kullander (pesquisador sueco) em colaboração com um amigo aqui do INPA, o Dr. Efrem Ferreira.
 
2) É possível que sejam 3 espécies diferentes? E se forem 3 espécies diferentes, existe a possibilidade de uma das espécies ser de peixe pequeno, que não cresça muito (algo como um tucunaré anão ou coisa do tipo)?
 
R: Acima das cachoeiras de Belo Monte no Xingu, só encontrei essa mesma espécie, que, como você bem notou, vai ficando com pintas cada vez mais difusas, mais amarelas e com faixas escuras (que podem ser mais ou menos visíveis, dependendo das condições da água e estado reprodutivo dos peixes, por exemplo). Abaixo das cachoeiras ocorre também o tucunaré da várzea (Cichla monoculus), facilmente identificável pelo menor porte e pela presença de faixas curtas no dorso, além de uma mancha horizontal preta sob a nadadeira peitoral. Manchinhas brancas ocorrem em quase todas as espécies de tucunarés na fase juvenil, desaparecendo posteriormente na maioria delas. Em C. monoculus, essas manchinhas somem logo, mas em outras espécies elas ficam evidentes até quase a fase adulta. Em C. temensis elas estão presentes quase a vida toda, mas a coloração também se modifica nos indivíduos muito grandes, quando são substituídas por três ou quatro faixas verticais negras com contorno amarelo (o famoso tucunaré-açu do rio Negro). Por esse motivo (mudanças de colorido ao longo da vida), sempre é difícil identificar tucunarés muito jovens, quando se tem mais de uma espécie ocorrendo em uma mesma área. Embora fenômenos de miniaturização (ocorrência de espécies pequenas, em gêneros onde as demais espécies são muito maiores) sejam comuns em peixes, não há nenhum caso conhecido entre os tucunarés. No caso das fotos que você mandou, acho que são apenas variações de colorido que ocorrem com a idade do peixe.
 
       Espero ter ajudado a entender um pouco melhor essa bagunça. Enquanto a tal revisão não sair, fica difícil saber quem é quem no jogo do bicho. Abração, Jansen.

 

       É bom ter em mente que os tucunarés aqui não são grandes, dificilmente chegando a 5 quilos, mas existem em abundância e nas corredeiras brigam como gigantes.

 
 
 

       O local oferece ainda a tradicional pesca embarcada, que de tradicional não tem nada, pois as voadeiras possuem 8,40 m. oferecendo amplo espaço para a pesca com fly, alem de serem bastante seguras. E aqui a pesca ocorre em locais distintos daqueles que nos referimos anteriormente, próximo a paredões de pedras, por cima de algumas lajes localizadas no meio de alguns canais ou em locais abrigados e profundos. Uma linha intermediate nestes casos pode fazer a diferença, já que os tucunarés podem ser encontrados em locais de maiores profundidades.

 
 
 

       As bicudas também dão seu show, muitas vezes é possível pesca-las em locais de pouca profundidade e em cada captura são saltos e corridas com incontáveis tentativas de fuga. A pesca das cachorras também é um desafio para cada um, pois muitas vezes perdemos o peixe já perto do barco ou das praias exigindo toda a atenção e habilidade de cada pescador. Em saídas de águas lentas para as águas rápidas são pontos certos para encontrar esses peixes, também.

 
 
 
 
 

       Se o pescador estiver interessado numa pesca com tralha leve, alguns pontos são favoráveis pra essa pescaria. Cardumes de matrinxãs, jacundás e pequenos tucunarés ocupam um lugar de destaque nesse tipo de pescaria. A aqui a pesca é feita em remansos, muitas vezes com meio metro de água, com moscas secas (stimulator, por exemplo) ou pequenos streamers ou mini poppers. Pode-se passar horas se dedicando a essa divertida pescaria. Lambaris e piabas também são freqόentes. Uma varinha #2 ou #3 são muito bem aproveitadas.

 
 
 
 

       E para aqueles pescadores que sempre querem levar a tralha de bait casting ou tralha pesada para peixes de couro, o lugar também é propício para as modalidades.

 
 
 
 

       É possível se pescar corvinas com krill, gotcha ou jumping jig apoitados em pontos pré-determinados ou ainda arriscar jogar uma linha, no final do dia para as pirararas, jaús, barbados, cacharas ou piraíbas (filhote) com isca natural. Como se percebe a pesca na pousada do Rio Xingú é farta e cheia de alternativas.

 
 
 
 
 

Sobre o curso ao Guias.

 

       A Fly Cast, com seu propósito de difundir a Pesca com Mosca no Brasil, realizou o seu primeiro curso de fly exclusivo para os guias de pesca da Pousada.
 
       Graças a essa iniciativa, conseguimos levar este curso a outros locais. A capacitação do guias para a prática da pesca com mosca é inédita no Brasil.

 
 
 

       Com o resultado positivo dessa iniciativa, outras Pousadas resolveram investir nessa proposta. A Pousada do Rio Roosevelt, localizada na divisa dos Estados de Rondônia e Mato Grosso também resolveu investir na proposta e foi a segunda a receber a certificação.
 
       Já temos agendado para este ano, um hotel e um barco-hotel.

 

       Neste ano, no próximo mês de setembro, a Fly Cast em parceria com a Universidade da Pesca estará levando um grupo de pescadores para pescar nas corredeiras do Rio Xingú. Preços sobre o pacote e informações detalhadas da Pousada e roteiro da viagem, podem ser obtidos através do site www.flycast.com.br.

 
 

 

Tralha de pesca - Sugestão

  Varas de numeração entre 2 a 4 - Para os peixes pequenos (lambaris, piabas, jacundás, matrinxãs e pequenos tucunarés, o equipamento leve é bastante indicado).
 
  Para as Bicudas, Cachorras, Tucunarés e pacús – Varas # 6 a 8.
 
  Linhas: Floating e Intermediate compatíveis com os equipamentos mais pesados e floating para os equipamentos mais leves
 
  Para essa pescaria utilizei:
 
  Vara Sage Xi2 - #8 – Linhas TT8-I Bermuda Taper (Royal Wulff) e WF8FBass Taper (Rio) – Carretilha – G. Loomis Venture 7.
 
  Vara Sage LE - #6 – Linha TT6F e WF6I (Rio – Salt Water) – Carretilha Ross
 
  Vara Sage VPS #4 – WF4F Performance taper – Carretilha Teton.
 
  Vara Sage Ds2 #2 – quiet double taper - 2F – carretilha Teton.
 
  Moscas: streamers variados (cachorras, tucunarés e bicudas), poppers, divers e sliders (tucunaré). Gafanhotos e coquinho para os pacús.
 
  Pequenos streamers, mini poppers e secas grandes (stimulator e hoppers).
 
Agradecimentos: Não posso deixar de agradecer ao amigo Ian Sulocki da Upesca, ao Claudomiro Gomes da Pousada do Rio Xingú e a todos os guias de lá, além do Sr. Adenauer Góes, presidente da ParáTur.
 
  Muito obrigado.